Lei da palmada volta ao debate na Câmara dos Deputados

Um assunto polêmico poderá voltar ao debate nacional este mês de dezembro: a condenação da palmada na educação dos filhos. Nos próximos dias, uma comissão especial da Câmara dos Deputados deverá tomar uma decisão a respeito do projeto de lei 7.672/10, a chamada Lei da Palmada, que proíbe o uso da força física para disciplinar ou punir crianças e adolescentes. A proposta deverá mudar alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e foi proposto pelo governo ainda na gestão do ex-presidente Lula. Caso aprovada, os pais que baterem nos filhos serão encaminhados para programas comunitários de proteção à família, tratamento psicológico ou psiquiátrico e cursos ou programas de orientação. Na mais branda penalidade, poderão receber uma advertência.

Os mais conservadores dizem que a lei ensina os pais a educarem seus filhos. "A lei obriga os pais a pensarem sobre o assunto, que é um comportamento cultural, creio que no Brasil todo os pais acreditamque palmadas educam os filhos", discorda a psicóloga clínica e psicanalista carioca Elianne Diz de Abreu. Ela afirma que a palmada é um gesto de descontrole e violência. Com consultório em Natal há seis anos, Elianne diz que o assunto é constante em seu consultório e nas palestras que ministra sobre educação de filhos. "O pai ou mãe que bate está mandando para o filho a mensagem de que não consegue educá-lo sem bater. A criança entende que os pais não têm mais controle sobre eles. Batem por raiva e impotência. A palavra perdeu sua força".

Considerada uma questão delicada, Elianne avalia como positiva a mudança na legislação, e questiona: "Até onde as pessoas têm direito sobre seus filhos? Têm o direito de subjugá-los, de feri-los?". E acrescenta: "Sabemos de pais que consideram filhas suas posses e as violentam sexualmente. Acredito que a lei vem proteger as crianças e jovens". Cláudia Santa Rosa, do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), lamenta o fato de que as leis são necessárias apenas quando está instalada uma cultura que precisa ser mudada. "Historicamente a criança sempre foi vista como um adulto em miniatura. O entendimento era que bater educa. Eu não sou favorável a esse raciocínio. A lei é pertinente no momento em que ela busca a superação de uma cultura que deixa a criança em situação de sofrimento. Uma situação vexatória. A lei é positiva nesse sentido", diz.

A educadora salienta os danos psíquicos provocados pelo hábito de bater nos filhos, e afirma que já ouviu todo tipo de depoimento sobre o assunto, inclusive pessoas que disseram que as palmadas ou até formas mais agressivas como uso de cinto, foram boas para sua criação. "Hoje essas pessoas afirmam que aquilo foi positivo. Mas também ouço pessoas que dizem que nunca precisaram apanhar dos pais. Na minha experiência como educadora de mais de 20 anos na escola, vejo que a criança que apanha é potencializada a querer bater nas outras. Quase sempre nas mais frágeis que ela. A criança que apanha busca repetir a agressão que recebe nos colegas mais frágeis".

Danos e limites

A violência física provoca danos na vida adulta de uma pessoa que apanhou na infância. "Se você conversar com um pai ou mãe violento, por exemplo, vai descobrir que ele também apanhou quando criança e que acha natural bater. Outros podem ser revoltados contra os pais", afirma a psicanalista Elianne Abreu. A estudiosa ressaltou que é possível que a criança goste de apanhar por receber, no momento em que apanha, a atenção dos pais. "Mas isso é triste. Essa criança poderá buscar, mais tarde, na vida adulta, pessoas que a firam também".

A maioria dos especialistas afirmam que os limites precisam existir, mas sem precisar bater. Uma alternativa é fazer sanções com coisas ligadas ao prejuízo que ela causou, a começar colocando horários para cada tarefa do dia. A educadora Cláudia Santa Rosa traz um exemplo. "Se a criança brinca no horário em que deveria estar fazendo uma tarefa da escola, os pais podem colocar uma sanção, cessando o direito de assistir TV ou usar o brinquedo que afez deixar de executar a tarefa correta".

Desconstrução do "adultocentrismo"

Para a deputada federal Érika Kokay (PT-DF), presidente da comissão especial que discute o assunto em Brasília, essa discussão precisa alcançar todos os setores da sociedade, especialmente as famílias. "A Comissão Especial já esteve com a ministra da Casa Civil e com os ministros da Saúde e da Educação para que seja incluído o projeto em programas já existentes do governo federal. As pessoas precisam desconstruir essa ideia de 'adultocentrismo', que impede que as crianças sejam sujeitos de direitos. A lei irá construir uma cultura diferente, inclusive, para proteger as famílias agressoras", declarou a parlamentar.

Depois da análise da comissão especial presidida por Érika Kokay, e caso não sejam apresentadas emendas, o projeto segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que analisa se ele está de acordo com a Constituição, e em seguida ao Senado, antes da sanção da presidente Dilma Rousseff. Também neste mês de dezembro, serão feitas reuniões em todas as regiões do país, para ouvir diversos segmentos da população, inclusive as crianças.

O que muda com a Lei da Palmada

Hoje

O Código Civil (2002), diz que os pais perdem o poder se castigarem "imoderadamente" seus filhos

O Código Penal (1940), trata de puniões para casos graves de violência contra crianças e adolescentes

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), proíbe a negligência, os maus-tratos, a exploração, o abuso, a crueldade e a opressão

O artigo 17 do ECA diz que "o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica, moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais"

Mudanças

O projeto de lei nº 7.672, criado pelo governo federal, propõe alterar o artigo 17 do ECA, para estabelecer o direito da criança e do adolescente serem educados sem o uso de castigos corporais, tratamento cruel ou degradante

Um conceito para castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança e adolescente

Um conceito para tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente

A proposta também altera o artigo 70 do ECA, ao prever que a União, Estados e municípios devem criar políticas públicas sobre o tema.
Sérgio Henrique Santos

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