Descoberta de célula rara faz avançar busca da cura da leucemia

Até chegar a leucócitos, eritrócitos, trombócitos e todos aqueles outros “ócitos” conhecidos por quem já fez um hemograma, as células do sangue precisam se diferenciar. Todas elas têm uma origem comum: uma única célula que, mais tarde, ficará especializada e desempenhará diferentes funções. Identificar essa estrutura pode ser a base para tratamentos eficazes voltados a pessoas que sofrem com doenças relacionadas ao sistema sanguíneo, como as leucemias. Foi o que um grupo de cientistas canadenses conseguiu fazer, 50 anos depois da descoberta das células-tronco.

Em um artigo publicado na edição desta segunda da revista Science, eles descrevem a identificação de uma rara célula humana hematopoética (CTH) em sua forma mais elementar. “Uma pequena estrutura capaz de regenerar todo o sistema sanguíneo”, de acordo com a definição dos autores. Como toda célula-tronco, as hematopoéticas são capazes de se dividir e autorrenovar indefinidamente, mas a diferença é que, quando maduras, especializam-se no tecido do sangue e nos componentes do sistema imunológico. Essas células são encontradas na medula óssea, no sangue periférico ou no cordão umbilical. O estudo canadense usou o cordão como fonte de material para a pesquisa.

Até chegarem à maturidade, as CTHs passam por diversas fases, obedecendo a uma cadeia hierárquica, e, então, se distinguem de suas progenitoras. “O enorme potencial regenerativo das células-tronco hematopoéticas as torna alvos muito atraentes para as terapias genética e celular”, diz ao Estado de Minas o principal autor da pesquisa, John Dick, do Instituto do Câncer de Ontário e do Centro de Medicina Regenerativa McEwen, na mesma cidade do Canadá. “Células-tronco como essa são tão raras que é como encontrar uma agulha no palheiro”, completa.

Pioneiro no campo do tratamento de câncer com células-tronco com descobertas nas áreas de leucemia e tumores malignos do cólon, Dick desenvolveu um método que consegue reproduzir, em ratos modificados geneticamente, todo o processo da leucemia mieloide aguda, bastante comum em adultos e cuja frequência aumenta de acordo com a idade. O próximo passo da pesquisa é unir os avanços científicos em busca de um tratamento realmente eficaz. “Agora temos um mapa detalhado do desenvolvimento do sistema sanguíneo. Isso é a chave para incrementar o poder das células-tronco para aplicações clínicas.”

Para chegar à “agulha no palheiro”, Dick e sua equipe de colaboradores aplicaram uma tecnologia chamada citometria de fluxo, pela qual é possível selecionar e purificar milhões de células. “Cientistas que estudam células-tronco podem agora começar a mapear as mudanças no nível molecular por trás do comportamento e do desenvolvimento dessas estruturas”, diz Elisa Laurenti, do Departamento de Biologia Molecular da Universidade de Toronto e coautora do artigo.

De acordo com ela, uma das maiores dificuldades para isolar essas células-tronco específicas é que elas são muito parecidas com outras células que também renovam o sangue, mas apenas por um curto período, morrendo em seguida. Estudos anteriores mostraram que há dois tipos de CTH, as de longo prazo e as de curto prazo. As primeiras, detectadas agora pela equipe de estudiosos, se renovam e se multiplicam para o resto da vida, mas as de curto prazo duram alguns meses, o que inviabiliza o sucesso de terapias. Já a categoria de células-tronco encontrada pelo grupo de cientistas é um importante passo para futuras abordagens terapêuticas. Desde que as células-tronco foram descobertas, os cientistas buscam a linhagem-mãe, uma única e pura célula que poderia ser manipulada e expandida in vitro antes de os pacientes receberem um transplante.

A conquista “Recentemente, meus colegas começaram a aproveitar células-tronco do cordão umbilical, mas, para muitos pacientes, a amostra de um único doador não é suficientemente grande para ser usada como terapia. Por isso, descobertas como a nossa são um passo importante para gerar uma quantidade suficiente de células que permitam a utilização clínica. Estamos mais perto da promessa da medicina regenerativa”, acredita.

Segundo o cientista, ainda não há previsão de quando será possível converter os achados de laboratório em benefícios para os pacientes, mas ele espera que em poucas décadas os médicos já possam contar com a tecnologia. Dick lembra que, desde 1988, quando transplantou células-tronco sanguíneas humanas em ratos com deficiência autoimune e publicou um trabalho na revista Science, a área já evoluiu bastante. “Desde então, nosso objetivo tinha sido encontrar a única e pura célula-tronco. Com os avanços tecnológicos, chegamos a esse ponto depois de 23 anos”, comemora o cientista.

Do Correio Braziliense

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