A PENA

Sonhei que me encontrava fazendo parte de um júri onde o réu era um poema. A mim cabia fazer sua defesa diante de um corpo de jurados hostil e uma plateia que obrigava a juíza constantemente a pedir silêncio e martelar a mesa. Tarefa difícil porque o senso comum já havia sentenciado o pobre poema. Os meios de comunicações há alguns dias fazia juízo de valor do desafeto e o seu destino, muito mais além de uma cela era desejo que ardesse no mármore do inferno! A acusação? O poema fora instrumento de ilusão! O poema causara lesões num coração provido de sensibilidade! O poema criara um sentimento chamado paixão! O poema era, portanto, um assassino frio e calculista! O Poema, com seus versos, era uma grave ameaça ao ser humano! Caso o poema fosse absolvido, as pessoas passariam a viver momentos de deslumbramentos e abstrações! E as testemunhas arroladas pela promotoria foram unânimes em seus depoimentos. E não houve contradições entre elas. E ninguém aparecera para depor a favor do réu. E o poema confessou o crime, sem antes ressalvar que se encontrava guardado num baú quando lhe deram como destino um coração! Que não tivera a intenção de causar nenhum arrebatamento! Que durante toda a sua existência sempre estivera preso aos sentimentos! E que o culpado fora um carteiro que descrevera as metáforas que compunham seus versos para a jovem em padecimento! Sem antes chamar o réu de dissimulado, o promotor pediu aplicação da pena máxima! Desolado, o poema se desfez. Seus nove versos começaram a se desintegrar. Parecia nem mais existir poema. Dirijo-me aos sete jurados argumento descrevendo todos os atenuantes aplicáveis ao poema e rogo-lhes: Eu queria apenas uma pena Leve para esse poema, Pelo crime de sedução Praticado sobre você! Foi apenas paixão sem querer, Eu sei! Na lesão do coração Ainda se procura descobrir Os versos escritos para esculpir Um só momento de ilusão! E a pena foi leve como desejada pela defesa! E o carteiro se desculpou com Neruda! E o poema saiu em todas as revistas e jornais! E naquele dia a audiência do Big Brother foi quase à zero! Gilberto Costa

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