O Velho

Por Misael Nóbrega

O que pensa aquele velho depois de ter bebido (aos tragos) a própria vida? Sentado em sua pedra filosofal assistindo o tempo tirar lascas de seus últimos dias. Estrábico e descrente repousa às costas no banco frio. Não há companhia ao seu lado. Aliás, há muito que ninguém lhe nota. Como pesar os anos? Períodos alegres quase sempre subtraídos por dissabores. Na avenida que se segue doravante... A contramão da história. Nem a memória lhe é lícita. De cenário, uma igreja ao fundo. A catedral de sempre. Mansão de seus valores espirituais. A devoção de todos os seus. O linho branco é a vestimenta indispensável dos feriados. Artefato talhado de caimento impecável. Peça de arte de um alfaiate já falecido. E por falecimento, uma dúzia de amores. O olhar contempla a ausência. Não há nada que lhe abone um sorriso. Alheio a modernidade solfeja a conveniente caridade. Não liga para a sua volta. Não vê as coisas de então. Não sabe se há gente por perto. Um exílio interior de tudo que afora está morto. Não é desse mundo, aquele moço que degustou todas as épocas. É de uma outra encarnação. Os arranjos o acodem, mas ele parece que sossega no colo da idade. Não são sonhos. Talvez, aves agourentas a lhe sobrevoarem a cabeça. As indisposições viraram amigas e já não aborrecem mais. Os ecos da noite se ajuntam numa confluência de exageros. Todavia, aquela atividade ao derredor é também de repugnância. O que verdadeiramente é evolução? Simplifiquemos: quase tudo está sendo reinventado, pois não?. Como dono da vida, resolve sair. Porém, não há muitos lugares aonde ir. O velho ignora a mocidade, mas não há desdém – apenas leveza. E o que ele pensa, talvez só importe a ele. Nos passos trôpegos, sustenta-se um homem que um dia fora deste mundo. Quem sabe, a volta pra casa não seja a melhor escolha – Se é que ainda existam escolhas. Segue por ali um abecedário da vida, tal qual um livro aberto com todas as letras caindo. E sem querer, um mundo inteiro lhe abrindo caminho.

Jornalista e professor

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