SOBRE A POESIA PRETENDIDA

Sabe aquela tela que te encanta de um modo avassalador? Que enche teus olhos de um brilho especial, a ponto de murmurar: “deveria ter sido eu a pintá-la”! Sabe aquela música que adentra em teus ouvidos como se fosse o início da vida procurando um útero para se gestar? E você diz: “deveria ter sido eu a compô-la”! Sabe aquele Davi ali na sua frente? Suntuoso! Grandioso! Belo! E você se lamenta dizendo: “oh, Michelangelo, por que se antecipaste a mim”! E você entra em rebuliço com Drummond! E você se sacode com Neruda! E Cecília te deixa sem fôlego! E você pára um instante para se recompor. Há uma busca em mim. Apressada, confesso, porque não atingi o estágio de poeta. Rascunho, sim! Mexo com as palavras, sim! Musicalizo os termos, sim! Tenho-os conjugado, sim! Junto-os nas diferenças, sim! Mas me sinto devedor de algo mais. É como se faltasse a paz! É como uma ausência de domação à inquietação! Mexo na inspiração, quando não deveria. Faço um desafio à convencionalidade. Alguém diz que está belo! Gosto! Mas, logo me retraio. Pretendo promover rebuliço nos meus semelhantes, um frenesi na alma! E busco a poesia, enfeitada de metáforas para traduzir o encantamento da alma! E procuro evoluir nos versos! E procuro fazê-los mais suaves! E tento programar o máximo de leveza possível. E vivo as pretensões. Muitas pretensões! E elas têm sido assim: Não queria ter somente Mente e coração de poeta! Queria ter corpo de poeta; O corpo inteiro, a vida inteira! Queria pisar com pés de poeta, Queria gesticular com mãos, Braços e cabeça de poeta! Queria ter digestão de poeta, Queria sentir a emoção Que sente todo poeta! Queria pensar e ser a razão Que dão formação ao poeta! E depois de toda construção, Queria engravidar de inspiração! Queria viver uma gestação De suaves palavras diárias! Queria dar a luz à poesia, Mesmo que somente fosse Um parto de fantasia! Respiro! Ainda estou no deleite quando me surge outra pretensão. É como uma erupção vulcânica! É uma queimação que se localiza no íntimo. E se rompe assim, sem controle, e diz: Desejo um dia bordar palavras Com poesias e transformar canetas Em meadas de linhas encarnadas! Almejo ver no morim de casas Casadas, as páginas serem beijadas Por dóceis agulhas afiadas! A caneta ainda goteja... Quero dar-lhe um descanso. Não encontro o protetor de bico. Ela sabe que o dia será de jornada maior. Mais horas extras... E se põe a ziguezaguear nas folhas... Pensando: Queria escrever como se pinta uma tela! Queria pintar como se ouve uma melodia! Queria ouvir como se imagina a primavera! Queria imaginar como se raia o sol do dia! Queria raiar como se abraça uma estrela! Queria abraçar como se afaga uma família! Queria afagar como se acolhe uma espera! Queria acolher como se escolhe uma poesia! É muita coisa espalhada! Olho para todos os lados e digo que por hoje basta! Chega a hora da colheita. ... Vamos juntar nossas sílabas, Aquelas suaves e átonas. Aquelas de canções cálidas, Aquelas que pareçam válidas, Guardadas em almas grávidas! Vamos musicar nossas sílabas, Em DÓ, em RÉ, em MI, em FÁ! Em SOL, em LÁ, em SI, e mais - E que sejam elas desiguais – No prumo das Notas Musicais! ... Imagine um balé dos sentidos,/Os sons com sabores de luzes/Pescados por seus ouvidos!/Imagine os olhos como asas/Esvoaçadas... Como garças/Rodeando barcos perdidos! E fico sem concluir a poesia pretendida no estágio de proximidade com as metáforas! Gilberto Costa

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